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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Êxodo 23.10-11 - Ecologia na Bíblia?

Dentro da Bíblia hebraica há um fragmento de um texto de lei que expressa da melhor forma a integratividade entre terra, pobres e animais do campo. O texto é quase um lampejo de pensamento ecológico, refletindo claramente uma espiritualidade pré-moderna, que pode ser altamente inspiradora hoje, sobretudo face ao avanço ao agrobusiness. Trata-se de Ex 23,10-11: (v.10) “E seis anos semearás a tua terra e recolherás a produção dela; (v.11) e, no sétimo, tirarás a mão de cima dela e a deixarás por conta própria, E comerão os pobres do teu povo e o resto comerão os animais do campo; Assim farás com a tua vinha e com o teu olival”.

O texto é parte integrante do chamado código da aliança (Ex 20,22-23,19, cuja composição decisiva pode ser melhor alocada no final do século VIII aC, em Judá, servindo na época como uma primeira formatação do que mais tarde seria a Torá. Leis sobre âmbitos diversos da vida do povo de Israel são colocados sob o senhorio da adoração exclusiva a Yahveh.

A lei afirma inicialmente a dignidade e a legitimidade do trabalho humano sobre a terra. O ritmo de trabalho agrícola, típico no mundo da época, porém, é limitado por uma lógica sabática. A exploração da terra deve(ria) estar limitada a seis anos, e num ano sabático, os proprietários deveriam largar mão da terra e deixá-la por conta própria. O descanso sabático da terra é claramente afirmado como um direito da terra. Diferente do que nas concepções modernas, aqui se enfoca mais o direito do que a obrigação.
A lei do descanso sabático da terra busca interromper temporariamente o ciclo de exploração predatória da mesma por parte dos seres humanos.

Lendo-se o texto de forma seqüencial, pode-se dizer que a própria terra, a natureza, é a beneficiária primeira desta lei, seguida dos pobres e dos animais, como segundos e terceiros beneficiários. Porém, se o texto for lido de forma concêntrica, como é muito comum em textos hebraicos, os pobres são colocados em destaque. O tempo de pousio da terra deveria ser um espaço de tempo de graça para as pessoas pobres, no sentido destas poderem conseguir uma alimentação suplementar ou talvez até garantir somente a alimentação básica. É importante notar que os pobres a lei não é pura e simplesmente antropocêntrica (direito dos pobres), mas inclui dentro da lógica ecológica da lei o direito dos animais do campo de ter acesso a um resto de alimentação. A necessidade ou a voracidade humana é limitada pelos direitos de um elo adicional da criação. Assim, a lei concebe claramente uma integração entre terra, pessoas empobrecidas e animais. Há testemunhos históricos de que esta lei foi colocada em prática, ainda que circunstancialmente.
Haroldo Reimer

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